Proximidade e trabalho em rede são fundamentais, concluiu-se na conferência anual da Plataforma Saúde em Diálogo

Para promover a literacia em saúde é preciso envolver as pessoas: ter em conta as suas necessidades, mas também «as suas vontades», expressão usada pelo psicólogo Ricardo Valente para explicar o que considera ser o segredo do sucesso do projeto ‘Espaço Saúde 360º Algarve’. «Adotámos uma abordagem de proximidade, afeto e presença. Os utentes reconheciam na equipa o filho ou o neto que estão lá», afirmou.
O projeto de promoção de literacia em saúde, promovido pela Plataforma em Diálogo, contribuiu para aumentar a qualidade de vida de 827 idosos algarvios com mais de 65 anos, baixa escolaridade e condição socioeconómica desfavorecida. O balanço do trabalho feito foi o ponto de partida para falar de literacia em saúde e desenvolvimento sustentável, o tema da conferência que, este ano, reuniu parceiros do projeto e associados da Plataforma, a 26 de outubro, em Lisboa.
E o que é a literacia em saúde? «Um construto, um aglomerado dinâmico de múltiplas abordagens, uma história interminável», expressões usadas por Miguel Telo de Arriaga, chefe da Divisão de Literacia, Saúde e Bem-estar da Direção-Geral da Saúde. É preciso criar estratégias “à medida” dos interlocutores, que respeitem a realidade das pessoas. Não chegam o conhecimento e competências para tomar decisões quotidianas sobre cuidados de saúde, é essencial haver motivação. Caso contrário não existiriam médicos obesos ou fumadores. É por isso que o mote do novo Plano Nacional de Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030 é
«transformar a ciência em conhecimento e o conhecimento em comportamento».
Ao longo de dois anos e meio, o projeto ‘Espaço Saúde 360º Algarve’ desenvolveu 1800 atividades, em sete concelhos algarvios. Os utentes usufruíram de atendimentos psicossociais, workshops de nutrição e sessões informativas sobre promoção da saúde e gestão da doença, tiveram sessões de atividade física adaptada, yoga a estimulação cognitiva e aprenderam a navegar no sistema de saúde.
O impacto das atividades foi enorme, sobretudo a nível físico, como comprovou o estudo de avaliação de impacto do projeto, realizado pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa: todos os utentes beneficiaram de um aumento superior a 5% na sua qualidade de vida e aqueles que usufruíram do projeto durante dois anos superaram os 10%, não apenas a nível físico, mas também psicológico, social e contexto ambiental. A perceção empírica da equipa do projeto corrobora o que a análise científica comprovou. «Alguns utentes chegavam corcundas e, passados alguns meses, estavam cheios de energia», contou Ricardo Valente na mesa-redonda moderada pela jornalista Fernanda Feitas, onde participaram parceiros e entidades das áreas da saúde, social e inovação social.
Para o sucesso do projeto foi também fundamental o trabalho em rede. Foram 51 os parceiros envolvidos, entre os quais o município de Faro, que encontrou no projeto um apoio ao trabalho desenvolvido pelo gabinete de apoio ao idoso, criado em 2012. «O projeto veio complementar o que já fazíamos, fechar o ciclo», explicou o vereador Carlos Baía. Quinze farmácias algarvias colaboraram na revisão da medicação, ajudando os utentes a tomar corretamente os muitos medicamentos diários, por vezes mais de 20. Foi «um trabalho gratificante», garantiu Margarida Querido, da Farmácia da Penha. Muitas vezes as sessões estendiam-se para além dos previsíveis 20 minutos, mais uma vez porque era preciso vencer o receio inicial e ganhar a confiança dos utentes. «As pessoas precisam de um acompanhamento de continuidade», defendeu a farmacêutica que, por vezes gratuitamente, fazia a Preparação Individual da Medicação (PIM).
Em representação do Instituto da Segurança Social, Inês Amaro elogiou a abordagem de flexibilidade, que vai ao encontro do entendimento do ISS de que «problemas complexos não se resolvem com respostas rígidas ou “sectorializadas”». A intervenção de proximidade e o trabalho em rede foram os aspetos mais valorizados pelos parceiros e também pelo principal financiador do projeto, o Portugal Inovação Social (PIS). Marta Albuquerque, da Estrutura de Missão do PIS, lembrou que o impacto de um projeto muitas vezes não depende tanto de «respostas disruptivas», como da capacidade de criar relação: a «magia de fazer acontecer».
«A existência de um espaço na comunidade que faz com que as pessoas se sintam acolhidas contribui para que compreendam e aceitem a importância de respeitar as prescrições médicas», reconheceu a médica Clara Jasmins, que sabe como a conciliação terapêutica é «morosa e complexa», sobretudo na população mais idosa, sujeita a um elevado número de medicamentos.  «Gostaria de ver replicado este projeto noutros pontos do país», afirmou.
A continuidade do projeto, que terminou em junho passado, é também o desejo da Plataforma Saúde em Diálogo, que aguarda a abertura de novas linhas de financiamento. No encerramento da conferência estiveram Ana Tenreiro, da direção da Plataforma Saúde em Diálogo, e Margarida Tavares, Secretária de Estado da Promoção da Saúde.

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